Texto • Marcelo S. Petraglia
Em plena era do despertar da consciência ecológica, somos chamados a observar e cuidar de tudo o que nos cerca. Percebemos que somos, ao mesmo tempo, os causadores dos desequilíbrios ambientais e também os que sofrem, juntamente com a natureza, suas consequências. Sabemos, entretanto, que depende de nós mudar o rumo das coisas e que muitas vezes são as pequenas ações, que estão ao alcance da nossa mão, que fazem a diferença.
Um dos aspectos mais sutis do meio ambiente é o elemento sonoro. Ele não é visível, não tem cheiro, não ocupa espaço, mas está à nossa volta 24 horas por dia. Vivemos imersos em som e simplesmente não temos como evitá-lo, uma vez que as vibrações acústicas que permeiam o espaço tocam todo o nosso corpo. De fato, todo o corpo é um grande órgão receptor sonoro, e o ouvido, propriamente dito, é o ponto focal do processo de audição. Neste sentido, a afirmação de que podemos facilmente fechar os olhos, mas não os ouvidos, torna-se ainda mais contundente.
Devemos também entender o elemento sonoro como uma manifestação de pura transmissão de energia que pode carregar um sentido. Sabemos que, por exemplo, uma explosão libera luz, calor, movimento e som. Ou seja, o processo vibratório que corre o ar a partir da detonação é conseqüência da liberação de energia contida no explosivo. Esta vibração enquanto tal é puro movimento de moléculas. Ao encontrar um órgão sensório capaz de interpretá-la, ela produz na alma do observador uma sensação sonora e comunica uma mensagem, colocando o observador em contato íntimo com a essência motivadora do fenômeno. (...)
Pensemos agora na relação que nosso ser tece com o ambiente sonoro. Primeiramente, vemos que apenas uma pequena parte das informações vibratórias que recebemos são totalmente processadas pelo organismo da audição. Somos tocados por um imenso número de impulsos vibratórios acústicos, mas estamos conscientes apenas de uns poucos. Neste mesmo momento, você pode parar e ouvir com atenção todos os sons que “estavam lá”, mas que simplesmente não estavam sendo percebidos. Uma pergunta fundamental que nos é colocada neste ponto da discussão é: o que acontece com todos estes “sons” que eu não estou conscientemente percebendo?
Uma analogia com o nosso processo de alimentação pode nos indicar uma resposta razoável a esta questão: quando ingerimos algo, mas não completamos o processo de digestão, sofremos com isso. Podemos ter toda sorte de problemas gástricos e intestinais e também intoxicação. A informação vibratória não digerida se torna algo parecido em nós. Ela fica em nosso subconsciente como um “lixo sonoro”, algo que trouxemos para dentro de casa, mas que não processamos plenamente. O processar, aqui, refere-se a dar sentido e integrar a mensagem sonora com nosso ser. Naturalmente, isso depende de nossa capacidade e “abertura” auditiva.
Em se tratando da questão da apreciação musical, este ponto de vista pode ser altamente elucidativo. Por que algumas expressões sonoras são MÚSICA para algumas pessoas e para outras não? Digo que tudo depende da capacidade da pessoa de integrar e dar sentido àquela expressão sonora, à capacidade de perceber a ordem do fenômeno e separar o ruído da real mensagem. Por esse ponto de vista, podemos definir três tipos de ruído:
1. Todo impulso vibratório que toca nosso órgão sensório, mas que não aflora à consciência;
2. Todo impulso vibratório que se manifesta em nós como percepção sonora, mas que não integramos plenamente ao nosso ser por não reconhecermos sua mensagem e ordem intrínseca;
3. Toda manifestação sonora que invade indesejada e impositivamente nosso espaço auditivo, caotizando-o e cerceando sua liberdade de escolha.
Olhando nosso meio ambiente desta forma, percebemos que de fato estamos rodeados de “lixo” e, pior ainda, estamos cheios de “lixo”. Mas temos também nossos hábitos de higiene. O sono é sem dúvida a grande oportunidade que temos de fazer uma “faxina” diária em nosso ser. Repousar em silêncio dá a oportunidade ao nosso corpo de processar, sem estresse, as informações vibratórias que ficaram à deriva dentro de nós. Fazer e ouvir música de qualidade também é um modo de reordenar os impulsos vibratórios internos.
No mais, podemos sempre, assim como cuidamos da nossa alimentação, cuidar da nossa “alimentação sonora”. Ambientes com baixa intensidade e diversidade sonora são, certamente, mais amigáveis e fáceis de digerir para nosso organismo auditivo do que ambientes sonoramente saturados.
O grau de ordem ou desordem dos sons à nossa volta também é um fator importante para a nossa saúde auditiva. Quanto mais complexa e caótica a informação vibratória, mais ela exigirá de nós para ser integrada. A boa música é neste sentido aquela que desafia e instiga nossa audição a decifrá-la, mas se mantém dentro do limite de nossa capacidade para tanto. Ela exercita e força nossa escuta a se expandir, mas somente até o ponto em que esta ainda consegue percebê-la como música. Quando passamos este limite, a comunicação se perde e tudo que nos resta é ruído.
SAIBA MAIS
Marcelo S. Petraglia é músico, compositor, pesquisador sonoro e colaborador do site OuvirAtivo (www.ouvirativo.com.br).
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