Por que estudar?
Quem sou eu? Quem somos nós? Onde vivemos? De onde viemos? O que podemos fazer com tudo isso? Essas são perguntas que toda pessoa, por mais “prática” que seja, se faz algumas vezes na vida. Elas nos fazem pensar sobre nós mesmos e sobre o mundo ao nosso redor, ampliando nosso conhecimento e nossa capacidade de ação.
Como se diz, um ser humano deve agir de acordo com sua consciência. É preciso, portanto, ampliar esta consciência de todas as formas possíveis: conversar, observar, realizar, questionar, afirmar, ler, escrever... tudo isso faz parte do que chamamos de estudar. E estudar, antes de mais nada, é uma busca pela ampliação da consciência para que possamos fazer as coisas melhor do que já fazemos. Decidir com mais clareza o que fazer, não só em cada pequeno problema, mas na realização de grandes planos para nossas vidas ou, quem sabe, algo maior ainda.
Bom, alguém pode simplesmente tentar responder essas perguntas, uma a uma:
- Eu sou o Rodrigo. Somos seres humanos, vivemos no planeta Terra, e viemos dos nossos pais, dos macacos, das bactérias primitivas e, por fim, do big bang. Precisamos ser felizes e construir um mundo mais justo.
Ah, como é bom viver no século XXI onde as perguntas foram todas respondidas pela ciência!
Curiosamente, isto é o mesmo que se pensava em diversas outras épocas. Na Grécia antiga, na Europa medieval, no império chinês, no renascimento, no século XIII, enfim... a verdade é que o homem consegue sempre dar algum sentido ao mundo e a si mesmo. Mesmo quando algo não faz muito sentido para nós, ainda podemos dizer, como fazem os capoeiristas: “maior é deus, pequeno sou eu”.
Sendo assim, o mundo pode ter muitos sentidos diferentes, e todos eles podem fazer sentido. Não é à toa que todos nós temos preconceitos. Estamos sempre julgando as coisas, mesmo que saibamos muito pouco sobre elas.
Como podemos, então, saber qual destes sentidos é mais verdadeiro? Como evitar o preconceito? Talvez não tenhamos essa habilidade. Felizmente, temos outras. Temos a “humildade” de estar sempre abertos a novas maneiras de ver as coisas. Temos a “ousadia” de encarar nossos problemas de frente e, se for o caso, mudar nossas opiniões.
Podemos, além disto, verificar quais sentidos nos ajudam a viver melhor, a construir ferramentas, a garantir a qualidade de vida das próximas gerações. Se estes sentidos são “verdadeiros” ou não, essa é uma coisa que talvez nunca venhamos a saber. Mas podemos julgar se eles nos servem, dependendo de nossos objetivos em cada circunstância.
Afinal de contas, por que é tão prazeroso entender alguma coisa? Captar algum sentido no mundo que antes nem sabíamos da existência? Por que exclamamos “Ah, entendi!” enquanto um sorriso se desenha automaticamente em nosso rosto?
Porque dar sentido faz parte de nossa natureza. Não podemos escapar disto. É preciso, então, fazê-lo com cuidado, pois as conseqüências de um equívoco podem ser desastrosas.
Como se diz por aí, o bater das asas de uma borboleta na Amazônia pode provocar um furacão na Califórnia. Especialmente em tempos de efeito estufa intensificado.
Sendo assim, para que você possa dar novos sentidos ao mundo à sua volta, em especial às manifestações da vida, elaboramos uma proposta pedagógica com bastante cuidado. Cuidado que deveremos ter também ao longo de nossos estudos nesses anos que se seguem.
Neste momento, alguém poderá dizer:
- Esse negócio de currículo é muito chato, cheio de palavras desconhecidas, sem sentido, desnecessário, pouco proveitoso. Por que não podemos simplesmente ir perguntando as coisas que nos interessam e ouvir o professor responder? Ou ainda procurar nos livros? Ou simplesmente aprender logo algum trabalho? Não seria mais fácil?
Sim. Provavelmente seria mais fácil. Para todos nós. Ao menos no curto prazo. E dependendo do que quisermos fazer com a nossa vida.
Mas o que aconteceria se as pessoas não estudassem?
Você, por exemplo, teria todos os dias livres! Que maravilha, não? Ao menos no curto prazo, pois mais tarde você teria que trabalhar, e então veria como a sociedade pode ser opressiva com as pessoas de baixa escolaridade.
Mas este argumento você já deve ter escutado muitas vezes, e talvez já tenha sido suficiente. Neste caso, que bom. Por outro lado, alguém poderia dizer, “é, mas o presidente do país não terminou os estudos!”. Este é realmente um curioso e simbólico exemplo, mas sabemos tratar-se de uma exceção, e não da regra (alguns vão dizer que preferem ser exceção, mas neste caso terão que desenvolver um domínio ainda maior das regras para poderem sobreviver neste mundo...).
Mas se este for o único motivo para estudar – preparar-se para o mercado de trabalho – então por que tanta demora, tanta variedade e problematizações, quando tudo o que precisamos é saber fazer algo para ganhar algum dinheiro? “Por que tenho que estudar matemática se quero ser cineasta?”, “por que estudar história quando minha meta é ser físico de partículas?”
- Afinal, não preciso saber de todas as coisas para conhecer algumas!
É verdade. Vejamos as formigas, por exemplo. Elas são artrópodes, com suas seis patas articuladas, e mais especificamente, insetos, com seu par de antenas. Estas estruturas funcionam como narizes que captam os cheiros ao seu redor. Isto faz com que, de alguma maneira, troquem informações, deixem rastros e criem verdadeiras avenidas pelo chão. As formigas de uma mesma espécie têm sempre o mesmo comportamento, e isto faz com que consigam realizar façanhas democráticas. Elas, os cupins e as abelhas são conhecidos como insetos eu-sociais, porque conseguem criar sociedades mais “organizadas”, ou “harmoniosas” do que as humanas. Veja na tabela etimológica o que significa “eu”. O trecho abaixo descreve bem o mecanismo que permite às formigas obedecerem a regras simples e de curto prazo, e mesmo assim construírem verdadeiras obras coletivas e duradouras mata adentro.
“Vale ressaltar como é realizada a comunicação entre as formigas em um ambiente. Segundo Ramos (2000), a formação de caminhos das formigas baseia-se num processo de deposição/evaporação de ‘feromona’. Esta substância é constituída por um químico, um odor, que tem simultaneamente a propriedade de ser agradável para as formigas, ou seja, de estimulá-las, e de, com o passar de algum tempo, evaporar. A formiga que se desloca aleatoriamente vai deixando um rastro dessa substância que lhe permite encontrar o caminho de volta para a colônia. Mas se, por exemplo, encontra comida, regressa pela mesma trilha depositando mais ‘feromona’ e elevando assim o seu nível de odor. Qualquer formiga que passe encontra, assim, um estímulo superior ao do seu próprio rastro e segue aquela trajetória que, em breve, torna-se uma fila com centenas ou milhares de formigas. A simplicidade deste mecanismo de comunicação permite uma transposição fácil para o mundo dos computadores, ajudando na resolução de muitos problemas complexos.”
Ou seja, as formigas, com seu abdômen, feromônios e prazer imediato, conseguem tecer verdadeiras cidades sobre a mata cujos caminhos são inteligentemente criados e recriados de acordo com as necessidades coletivas e as condições do meio. Isto é algo a se admirar, até porque as sociedades humanas estão longe de refletir tanta democracia, tanta igualdade de poder. Mesmo a chamada rainha, que é protegida e alimentada pelas chamadas operárias, vive dia e noite presa num pequeno buraco parindo larvas sem parar. Não há cigarras a cantar no formigueiro... Aliás, La Fontaine talvez não soubesse que apenas a cigarra-macho canta, e logo depois morre.
Mas, por que a cigarra canta antes de morrer? Será que ela sabe o que vai acontecer e mesmo assim se esforça ao máximo, ou será que ignora seu destino fatal?
Como a formiga, a cigarra é um inseto, tendo, portanto, um par de antenas e três pares de patas articuladas. Mas o abdômen da cigarra, ao invés de produzir feromônios para marcar o chão, cria sons característicos para chamar uma companheira para o acasalamento. Cada inseto se comunica como pode, e possui um corpo adaptado para isto. Mas talvez uma formiga não ouça o canto da cigarra, assim como esta pode não perceber o odor do feromônio. Afinal, cada uma delas “só sabe uma profissão”. Para um inseto mudar de comportamento ou passar a perceber um novo odor, serão necessários muitos milhares de anos e um pouco de sorte, como veremos em nossos estudos sobre evolução.
Uma forma de responder à questão da cigarra é dizer: porque o macho não iria agüentar mesmo a próxima época de reprodução, então seria melhor usar todas as suas energias para garantir a sobrevivência da espécie. Poderíamos até imaginar que os machos mais capazes de encontrar comida teriam mais energia para cantar, fazendo com que as “cigarras cantoras” tivessem maior habilidade em encontrar alimento do que as “cigarras mudas”. Ou quem sabe as cigarras viviam muito separadas umas das outras? São muitas as possibilidades que o pensamento evolutivo nos permite imaginar. Talvez as cigarras tivessem explicações diferentes, baseadas numa espécie de prazer obsessivo pelo sexo (caso soubessem do possível gran finale) ou ainda, quem sabe, numa insuportável coceira na região abdominal. Mas a “psicologia das cigarras” é um objeto de difícil acesso ao estudo científico, sendo assim melhor deixar estas reflexões de lado.
Uma forma de responder à questão inicial, “por que estudar?”, também pode partir da observação destes curiosos insetos. Quando dizemos que estudar todo um currículo tira nossa liberdade de fazer o que quisermos, de estudar apenas aquilo que nos interessa ou que será útil na profissão, estamos defendendo alguns valores implícitos, alguns pressupostos que nem percebemos. Um deles é: “liberdade é poder fazer o que se quer fazer na hora”. Será esta uma boa definição de liberdade? Segundo o trecho que lemos, as formigas seguem os caminhos mais trilhados seguindo, provavelmente, o prazer imediato provocado pelos feromônios. Assim, talvez uma formiga seja mais livre do que nós, que somos obrigados a reprimir nossos instintos só porque a sociedade não permite. A formiga, ao contrário, parece fazer exatamente aquilo que quer, e seu próprio corpo é detalhadamente moldado para isso. E nós, o que temos? Mãos? Polegar opositor e telencéfalo desenvolvido? Problemas de joelho ou coluna devido à bipedia precoce?
Depois de observar mais atentamente alguns insetos, parece haver duas opções, caso nosso desejo seja ainda a liberdade. Uma das opções é imitar as formigas em seu modo de vida livre e eficiente, sua sociedade quase perfeita. Aldous Huxley escreveu um belo livro sobre esta utopia, este “admirável mundo novo” onde cada pessoa teria talentos e prazeres adequados à sua função social. Mas talvez, como disse o Tom Zé, os seres humanos já tenham nascido com alguns “defeitos de fabricação”...
Então, se você quiser examinar a primeira opção mais profundamente, pode ler o livro de Huxley. Não chame isto de “estudar” se preferir, mas no fundo, estudar é isto: aprofundar-se em um certo pedaço deste caleidoscópio que passa na nossa cabeça, seja pela observação ou pela imaginação. Estudar é ampliar um pouco mais sua consciência, ir um pouco além do imediato, do curto prazo, do óbvio. Pode-se estudar com livros, com pessoas, com a natureza ou com certos objetos, como instrumentos musicais ou ferramentas.
Mas nada disto nos serviria se nossa utopia for uma espécie de formigueiro humano. Se nossa idéia de liberdade for “fazer aquilo que se quer na hora”. O que nos leva à segunda opção: mudar nossa idéia de liberdade. Afinal, o que é ser livre? Estudar (na escola formal) diminui nossa liberdade porque nos tira o tempo de fazer aquilo que nos parece mais importante?
Voltemos às cigarras e formigas. Como vimos, elas sabem perceber o mundo à sua volta e agir adequadamente graças a estruturas presentes em seu corpo, como o abdômen (para cantar ou marcar o caminho) e provavelmente o pequeno cérebro e gânglios nervosos (para se comportar segundo certas regras). Cada uma vê o mundo de uma forma, e age a partir disto. A cigarra não segue uma trilha de feromônios assim como uma formiga fêmea (ou seja, quase todas) não segue em direção ao príncipe cantor. Isto é o que chamamos de comportamento estereotipado, ou seja, uma forma de agir que é compartilhada por toda a espécie. Todos percebem, sentem (supomos) e agem de forma semelhante. Esta forma de agir não muda, exceto no tempo evolutivo.
O homem não parece ser assim. É verdade que a moda e a mídia se esforçam em criar “estilos de comportamento”, em geral associados a certos bens de consumo. Mas por mais que nos identifiquemos com uma bandeira comum, não há como deixar de notar: cada ser humano é um universo à parte. Um mundo de experiências, crenças, desejos e intenções próprias. Isto é uma coisa que dificulta bastante a nossa democracia, diferentemente do que acontece com as formigas.
E é justamente nisto que consiste nossa liberdade. Não na existência de um “sujeito”, “ego”, ou “consciência” que escolhe livremente sua ação sobre o mundo, mas na capacidade de agirmos com o mundo. Um mundo, é claro, onde estamos nós e aquilo que vemos e sentimos. Um mundo que pode ser visto de muitas maneiras.
Buscar a liberdade é buscar entender o mundo, o corpo, o espírito, suas possibilidades e limitações. A partir disto é que se pode ser realmente livre. Tendo diferentes formas de ver a mesma coisa, diferentes recursos para resolver problemas e enxergando as melhores opções em cada circunstância. Mas cada momento, para um homem livre, não é algo instantâneo, e sim o resultado e a causa de diversos outros momentos. O tempo flui das causas aos efeitos, e isto não nos impede de sermos livres. Pelo contrário, é entendendo esta teia de causas e efeitos que podemos fazer aquilo que realmente queremos. Não com um momento, mas com a nossa vida. Afinal, os homens sabem que vão morrer, talvez a cigarra macho não. Então, por que os homens também cantam? Por que jogam futebol?
Por que estudar pode ajudar um homem a se tornar mais livre?
Pense um pouco sobre isso, coma uma maçã, olhe para a janela, beba calmamente um copo d’água e responda você mesmo.
Este texto foi escrito para os alunos da 1a série do Ensino Médio do Colégio Equipe.
Fonte: Rodrigo Travitzki - digao.bio.br
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